Olá, meu velho. Faz tempo que não falamos. Saudades de você. Aquela saudade boa que você já conhece. Saudade sem egoísmos, sem contrariar os desígnios de Deus.
Pai. A vida é feita de sinais, nós é que muitas vezes não percebemos. Nos entregamos a nossa rotina. Supervalorizamos o trabalho e os bens materiais e, muitas vezes, não conseguimos perceber os sinais de amor e felicidade que estão ao nosso lado, nos nossos filhos e na nossa família.
Hoje, tive um desses sinais.
Sai de casa antes das 6 da manhã e a sua neta Marcelinha ainda estava dormindo. Passei rápido para almoçar e ela estava na soneca da tarde. Quando sai de casa a tarde já planejei que precisava chegar antes dela dormir, já que ontem sai e cheguei com ela já dormindo.
Terminei meu trabalho, fiz meu treino da noite e ia tomar banho na academia, mas percebi que isso poderia significar chegar em casa quando a Marcela já estivesse dormindo. Mudei de ideia, meu velho. Vim pra casa.
Abri a porta de casa e ela correu para me dar um abraço. Deitei no chão da sala e ela abriu um largo sorriso, daquele que muitas vezes o senhor deve ter visto no meu rosto quando eu era criança. Brincamos um pouco. Foi o primeiro sinal.
Logo depois a Juliana enviou para mim um vídeo. O vídeo começava com pais dando depoimentos de como os avós “estragavam” os netos fazendo tudo que eles desejavam. Mas depois, os mesmo pais que fizeram esses depoimentos, assistiram o depoimento dos avós.
Eles lamentavam que quando seus filhos eram crianças tinham pouco tempo para eles e que agora, aposentados, podiam compensar um pouco o tempo perdido no passado dedicando-se aos seus netos. Os pais choravam e perceberam que gestos e amor e afeto não “estragam” crianças. Era um novo sinal.
Lembrei de ti. Fiquei te imaginando brincando com o Gabriel e com a Marcelinha. Fiquei te imaginando ansioso pela chegada do José Umberto – pai, sempre desejei te fazer essa homenagem e o seu novo neto terá o seu nome, Umberto, assim mesmo, sem o “h”.
Fechei os olhos, como sempre faço quando quero te ver. Você estava ali sentado na sala, com sorriso largo e brincando com uma criança. Mas não brincava com o Gabriel, nem com o Marcelinha e nem com o José Umberto. Você brincava com a Maria Carolina, minha filhinha que Deus fez anjo com apenas três meses de vida e que hoje vive ai ao seu lado com seus 11 anos.
Depois de anos pude entender que a Carolzinha veio cumprir a sua missão aqui na terra e voltou para ser a sua neta e te dar o prazer e a alegria de ser avó.
Vocês brincam na sala. Você, meu velho, volta a ser criança ao lado dela. Eu, fico aqui parado admirando essa festa de amor puro. Admirando um homem que teve pouco tempo pra ser pai e que merecia a chance de ser avó.
Meu velho, estou muito emocionado. Sempre quis te ver brincar com os meus filhos e nunca pude ver porque sempre fechei os olhos e procurei você com o Gabriel ou com Marcela. E você sempre esteve aqui brincando com a Maria Carolina.
Eu posso sentar com vocês? A Carolzinha virou uma mocinha linda. Olhos muito negros, pele morena, sorriso largo. Eu nunca tinha ouvido a voz dela, é doce.
- Minha filhinha, papai nunca vai te esquecer.Eu sei que passamos tão pouco tempo juntos. Mas não houve e não haverá um dia sequer que você não esteja no meu coração e na minha lembrança.
Pai. Lembrei de uma foto antiga, quando ainda morávamos no pequeno apartamento da Ica Paraíba. Você deitado na cama com as pernas pro ar e eu deitado sobre a sua barriga.
Vamos deitar juntos. Imitar aquela foto. Sei que já estou bem grandinho pra deitar na sua barriga. Mas coloque a cabeça da Carolzinha encostada em você. Eu vou deitar ao teu lado. Assim. Abraçar-te. Teu abraço tem o cheio das rosas daquela roseira que plantaste no jardim que não existe mais na nossa casa.
A Carolzinha tem cheiro de dia, a voz dela tem som de vento e o olhar dos seus grandes olhos negros pode falar com a minha alma.
Estamos felizes. Rolando no chão como crianças. Nesse momento, somos crianças. Já disse que crianças são a perfeição do projeto de Deus para a humanidade.
Quanta saudade, Carolzinha! Sua irmãzinha costuma dizer: Pai, te amo tudo! Dessa vez sou eu que quero te dizer: Te amo tudo, minha princesinha.
Já disse também em outra conversa nossa que o tempo é uma ilusão, que sempre pensamos que temos mais do que realmente temos e que quando deixamos coisas do amor pra depois, geralmente, o tempo nos trai.
Não quero nunca mais deixar pra depois o deitar na sala com vocês, o largar o trabalho e correr pra casa só pra ver meus filhos acordados. Só pra ter o direito de brincar com vocês.
Deixa o José Umberto nascer e vamos elevar nossos corações para que possamos um dia brincar todos juntos. Nesse dia eu serei o homem mais feliz do mundo.
Sempre chega a hora de ir embora. Dessa vez não sinto vontade de chorar. Quero rir com vocês dois. Vamos fechar os olhos. Vamos nos abraçar.
Posso sentir. Há uma mão forte e pesada sobre meu obro. Há uma mão pequena, leve e suave sobre o outro obro. Posso vê-los, senti-los. Posso ouvir a respiração intensa de vocês.
Também vou sentir saudades. Mas estamos sempre juntos. Sempre que fecho os olhos e penso em vocês, vocês estão aqui.
Beijos, a sua benção, pai. Beijos, Deus te abençoe, minha filha. Vamos nos despedir com o sorriso no rosto. Amo vocês. Nunca mais vamos perder a hora de brincar…