Dia desses li numa rede social alguém dizer que livros são tão belos que deveriam servir de elogio e que para dizer que alguém está especialmente bonito você deveria dizer: “Hoje você está um livro”.
Castro Alves já reverenciou o livro na poesia O Livro e a América.
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n`alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.
Chego ao Natal vivendo um momento difícil na minha relação com meu filho Gabriel de 16 anos. Os conflito de gerações e de valores nos confrontam e, as vezes, falta-me a habilidade necessária para o diálogo. A adolescência sem meu pai que faleceu quando eu ainda tinha 12 anos deve contribuir com essa minha dificuldade.
Os últimos dias têm sido muito sofridos com a ausência dele. Depois de uma dura discussão entre nós, ele foi para a casa dos avos maternos.
Aqui entram os livros! Há tempos havia parado a leitura da bela obra “O silêncio das montanhas” do escritor Khaled Hosseini. No relato, Pari, separada do irmão Abdullah na infância, encontra-o na velhice já bastante doente, e conversa com a sua sobrinha que tem o seu mesmo nome (Pari).
“O tempo é como um encantamento. A gente nunca tem o quanto imagina”.
Ao ler essa frase, a força do amor que tenho pelo meu filho foi bombeada pelo coração e circulou como sangue em cada parte do meu corpo, transmitindo uma sensação de abraço. Foi como seu ao mesmo tempo eu recebesse um abraço de todas as pessoas que amo nesse mundo e também de todas que já se foram.
Lembrei que o encantamento do tempo fez levar meu pai Umberto após apenas 12 anos de convivência comigo. Lembrei que o encantamento do tempo, a ideia de que ainda teria muito tempo, fez eu não viver com a intensidade necessária os 3 meses que tive a minha filha Maria Carolina. Lembrei de quantas vezes o encantamento do tempo e o deslumbramento com o trabalho, com a política, com a vida social, distanciou-me do próprio Gabriel.
E chorei. Sentei no chão do quarto vazio do Gabriel como um peregrino perdido num deserto de solidão e medo. Tentei escrever e não consegui. Olhei para os instrumentos musicais dele, o violão, o teclado e pensei nele tocando os instrumentos que não estavam ali, o violino, a flauta transversal, o ukulele. Pude ouvi-lo cantar e tocar. Olhei a pilha de livros que ele lê compulsivamente e pensei nos livros que não li com ele. Pensei no Dom Quixote que prometemos ler juntos e nunca cumprimos. Senti saudade que dói.
Abri novamente o livro. Nas páginas mais uma lição de Pari.
“Eu devia ter sido mais delicada. É uma coisa de que a gente nunca vai se arrepender. Você nunca vai dizer a si mesma quando estiver velha: Ah, eu preferiria não ter sido tão boa com essa pessoa… eu deveria ter sido mais generosa”.
A generosidade com quem amamos e com todos é algo de que nunca vamos nos arrepender. Mas para ser generoso é preciso encher o coração de amor, respeito e tolerância. Nem sempre isso é fácil. E pode até ser bastante difícil. Na luta entre ser feliz e ter razão, nem sempre conseguimos fazer a primeira escolha.
A leitura acalentou meu coração e a minha alma. Pensei que, por vezes, guardamos tanto orgulho nas relações com quem amamos e esquecemos que o maior dos orgulhos não é maior que o menor dos amores.
Pensei no meu filho. Senti saudades novamente. Aquela sensação de abraço voltou ao meu corpo. Agora já não era só dele o abraço. Senti também o meu velho Umberto e a minha Maria Carolina. Senti mais. Minha mãe Graça, meus irmãos Beto, Glenda e Rodrigo, minha esposa Juliana, minha filha Marcelinha, meu sobrinho Betinho, minha sobrinha Valentina, a Paula (mãe do Gabriel), Dona Amélia e seu Paulo (avós maternos do Gabriel e pessoas que tanto amo), a Ruth e a Daniele Jucá (tias maternas do Gabriel). De repente, estávamos todos juntos. Abraçados pelo amor que temos pelo nosso Gabriel.
Eu continuava sentado no chão. Mas aquele quarto não era mais um deserto de solidão. Havia uma multidão de abraços, de sentimentos e de amores.
Alguns devem estranhar – outros até achar absurdo – uma pessoa publica expor a sua vida pessoal nesse nível. Mas eu sou gente. Não sou só aquele homem duro que procura honrar o mandato que exerce com a firmeza necessária. Sou um homem de família cheio de imperfeições. Tenho minhas angústias, minhas dores, meus erros. E não tenho medo de expor. Não crio um personagem perfeito, sem fraquezas e sem defeitos, como muitos políticos fazem por ai.
Penso que compartilhando minhas experiências de vida, mesmo as mais duras, alivio a minha alma e posso tocar o coração das pessoas. Conto tudo isso para que alguém possa ler e decidir aproveitar o Natal – esse momento de renovação da fé e da esperança – e decidir reconciliar com uma pessoa amada. Afinal, o tempo é um encantamento e o amanhã as vezes pode não existir. A hora do perdão, do abraço, do “eu te amo” é agora.
Perai. Chega de escrever. Vou ali correndo dar um abraço no meu filho Gabriel, dizer que o amo e que a distância dele arranca um pedaço do meu coração. Vou aproveitar e cantar pra ele uma música que eu cantava pra ele ninar quando era um bebê.
É só de ninar e desejar que a luz do nosso amor
Matéria prima dessa canção fique a brilhar
E é pra você e pra todo mundo que quer trazer assim a paz no coração
Meu pequeno amor
E de você me lembrar
Toda vez que a vida mandar olhar pro céu
Estrela da manhã
Meu pequeno grande amor que é você Gabriel
Pra poder ser livre como a gente quis
(Gabriel, Beto Guedes)
Feliz Natal a Todos.
PS. Dê livros de presente. Eles alimentam a alma, salvam vidas e amores.