Pai. Há tempos não conversamos. Os compromissos do dia-dia, por vezes, nos tiram a solidão necessária para esses momentos de reflexão e conversa. Mas tenho pensado em ti, você bem sabe disso. Pensado no quanto ainda hoje me fazes falta, no quanto a tua ausência é presente na minha mente, no meu coração e na minha alma. Pensando na felicidade que seria compartilhar contigo os dias que estou vivendo, o nascimento da Marcelinha, as surpresas que ela nos oferece a cada dia, o reconhecimento que recebo pela minha caminhada na vida pública, os meus treinos, minhas corridas, minhas provas de triathlon – fico imaginando-o na linha de chegada para aquele último abraço que não tive tempo de dar. Penso também na falta que sinto dos conselhos e do apoio que receberia de ti para enfrentar as minhas angústias e as minhas dores. E elas não são poucas, pai.
Meu “velho” Umberto, cresci um homem que carrega sentimentos pesados, daqueles que apertam o coração e insistem em que querer nos fazer desistir de tudo. Meu inconformismo coloca peso no meu fardo da vida. Carrego a dor dos que dormem na esquina, das crianças que perambulam pela rua cheirando cola de sapateiro, dos injustiçados pela força do poder econômico e pela ganância desmedida que tomou conta dessa minha geração. Carrego também a dor dos enfermos sem atendimento digno, ou sem atendimento, dos vitimados por um mundo que cultua os valores do ter e subestima os valores da bondade, da caridade e da esperança.
Dou o melhor de mim e todos os dias acordo com o sentimento que não foi suficiente, de que preciso fazer mais. Falta alguma coisa na minha vida. Há um pedaço do meu coração que todos os dias acorda esbofeteando-me a face e exigindo-me algo mais.
E sofro, pai. Por vezes, sinto-me impotente e incapaz. É como seu eu cuidassem de adubar as flores com uma pequena colher e todos os dias alguém passasse com um trator para destruir o jardim. O pior, é que nem eu desisto e nem eles desistem.
Pai. Por contraditório que possa parecer é esse mesmo inconformismo, essa mesa dor, que alimentam a minha alegria para seguir em frente. Chego a agradecer esse fardo, pois julgo que sem ele a vida já não teria sentido pra mim. Será que a felicidade está justamente na capacidade de indignar-se com o que é triste? Penso no que é a vida de quem não enxerga a dor e o sofrimento que existe ao seu redor. Esse só cuida das suas próprias dores e dos seus próprios sentimento e fazendo deles os únicos do mundo, devem carregar um peso muito maior do que o meu. Ou carregam um peso muito maior, ou já morreram e ainda não sabem.
Houve um tempo em que a política me fazia feliz e julgava ser ela o único caminho para transformar as minhas rebeldias em ações transformadoras conscientes. A vida me mostrou o valor de ler para aprender as lições, de escrever para compartilhar os meus aprendizados e as minhas dúvidas, de olhar para os meus filhos para depositar a esperança de fazer deles homens e mulheres ativistas de um mundo melhor para todos, de correr para pensar na vida, de sentar pra ver a lua se por e o sol nascer, de simplesmente olhar pras estrelas, seguir as borboletas ou cantar com os passarinhos.
Há um mundo novo a ser construído, meu amado “velho”. O mundo que Deus idealizou nos 6 dias de trabalho e que sonhou no sétimo dia de descanso. O mundo da paz, da fraternidade e da justiça. Esse mundo que os homens de hoje insistem em negar, mas que resiste nas mãos caridosas de homens e mulheres, na rebeldia consciente de jovens e nas esperanças dos olhos puros das crianças.
Meu amado Pai, chego aos 40 anos feliz. Angustiado, as vezes. Triste, as vezes. Desperançoso, as vezes. Mas feliz. Feliz com os caminhos que escolhi seguir, que por mais longos e sacrificantes que sejam, são mais dignos e prazerosos que os atalhos de que desviei.
Quinta-feira (29.08.2013) completo 40 anos. Lembro que não chegaste aos 40. Deus te quis perto dele 2 meses antes. Nesse mundo aqui, já vivi mais tempo que você, mas sua existência perdura todos os dias no meu coração. Quero dizer-te o que disse Gonzaguinha: “E hoje // Depois de tantas batalhas // A lama dos sapatos // É a medalha// Que ele tem pra mostrar”. A lama também nas mãos dos jardins que insisto em querer plantar nesse mundo.
Eu sempre peço um abraço. Vou fechar os olhos pra te ver. Toca as minhas mãos. Quando tocas as minhas mãos sinto cheiro de rosas. Deixa eu dizer no teu ouvido que te amo. Antes de ir embora, vou te contar aquele segredo que aperta o meu coração. Eu confio em ti. Sei que no silêncio o senhor me aconselha.
Sinto tuas mãos acariciando os meus cabelos. Sempre choro. Não é de tristeza. É só de saudade. Sei que precisas ir. Vai, meu “velho” Umberto. A sua benção, meu pai.