Meus avôs paternos são migrantes cearenses que saíram de Codó para ocupar uma gleba no Lago do Aduacá, ali entre Parintins e Nhamundá. Viviam numa casinha daquelas que quando passamos de avião e olhamos no meio do nada, ficamos a imaginar como pode alguém ter ido parar e morar em lugar tão isolado. Foi nessa localidade que nasceu meu pai.
Anos depois, meus avôs foram para Parintins morar num “flutuante” que ficava em terra na frente da cidade, ali por perto da Igreja do Sagrado Coração.
Minha vó Mariinha, católica muito fervorosa, sempre sonhou ter uma filha freira e um filho padre. Logo encaminhou minha tia Isabel (a mais velha) para o convento. E, certamente, seu desejo era ver seu filho mais velho Umberto (meu pai) encaminhado para o seminário.
E assim cresceu meu velho Umberto, dividindo seu tempo de menino entre a escola, a sacristia – onde era coroinha – e a rua, que é onde menino do interior brinca e começa aprender o que é a vida.
Mas o desejo da minha vó de ter um filho padre não se realizaria nem com meu pai e nem seus outros filhos, acabando por se realizar com a ordenação do seu sobrinho, Padre Benjamin.
Já havia no meu pai um desejo que mais tarde tornaria marca de todos os seus irmãos. O amor pelo estudo e pelo conhecimento. Chegando à juventude, ele tinha uma obsessão: estudar em Manaus, o que naquela época não era tarefa muito fácil, diante das dificuldades financeiras da família e das próprias dificuldades de adaptação do homem do interior à capital.
Mas era o seu desejo.
Mudar pra Manaus exigia superar algumas dificuldades: arrumar uma forma de fazer a viagem a custo mínimo, ter algum dinheiro para os primeiros dias, providenciar um lugar para morar na capital e comprar uma dentadura, porque sua vaidade, ainda que mínima, não permitia que fosse sem dente para a cidade grande.
Dividiu seu desejo com o irmão Manuel e começaram a trabalhar na olaria dos padres. Carregando 100 bolas de barro por dia, arrecadou o dinheiro suficiente para comprar a dentadura e sobreviver alguns dias em Manaus.
De dentadura e com algum dinheiro no bolso, restava arrumar um jeito de fazer a viagem Parintins-Manaus sem gastar o pouco dinheiro que tinha e providenciar um lugar pra morar.
E assim, meu velho Umberto viajou de carona num batelão (balsa regional de carregar boi).
Chegando em Manaus, procurou guarida na casa de um tio com quem contatara ainda em Parintins e que lhe prometera dormida por algum tempo. Mas não encontrou. A esposa no tio não aceitou o hóspede.
Depois de vagar alguns dias por Manaus encontrou outros jovens parintinenses e foi morar numa república.
Trabalhou como porteiro, taxista, entrou na Faculdade de Direito da UFAM, casou, teve 4 filhos.
Um dia, aos 39 anos, aquele homem simples que carregou bolas de barro pra comprar uma dentadura, foi inesperadamente chamado por Deus e lá está olhando por nós e nos protegendo.