Tia Chica não gosta de ficar atrás quando se trata de contar “causos”, histórias e lorotas. Logo emendou contando a visita de Dona Chiquinha (já uma senhora) a sua tia Marita (uma senhora um pouco mais velha que a sobrinha e esposa de um prospero comerciante de Parintins).
Chiquinha e Marita eram unha e carne na mocidade, mas a sobrinha mudou pra Manaus e passou anos sem visitar sua terra natal. Foi para pagar uma promessa na Festa da Padroeira que voltou a Parintins depois de 23 anos sem pisar na Ilha.
Chegando no comércio da tia Marita, encontrou-a muito bem arrumada, maquiada e vestida com um belo vestido longo e de babados – segundo confidenciaria, totalmente inapropriado para o calor infernal daquele verão – numa mesa de madeira maciça, manuseando cheques, notas promissórias e fazendo contas numa velha máquina calculadora.
No momento da chegada de Chiquinha, Marita dava ordens grosseiras – não estava num bom dia e o mau humor brilhava nos seus olhos como fogo em brasa – à atendente do comércio que desatenta não atendera a freguesa que estava debruçada sobre o balcão, acompanhada de um jovem que a segurava pelo braço.
Chiquinha apressou em contornar a situação, dizendo que não estava ali para compras, mas para visitar a tia, amiga e confidente da época de juventude que não encontrava fazia 23 anos. Marita, que virara uma mulher rica e azeda, não mostrou muito entusiasmo com o encontro, mas abriu uma pequena cancela contínua ao balcão para que Chiquinha pudesse entrar, no que foi acompanhada pelo jovem que seguiu segurando em seu braço e que Marita, pressumiu ser seu filho.
A frieza na alma e o fogo nos olhos de Marita começaram a mudar quando Chiquinha ao chegar perto dela, disse:
- Amiga (se chamasse de tia, a conversa nem teria começado), como você está jovem e bonita!
Ao que Marita respondeu – soberba por dentro, mas humilde da boca pra fora:
- Que nada, Chiquinha. Após os 60 anos ninguém mais está jovem e bonita.
- Não. O tempo lhe fez muito bem.
- Nada. É impressão sua. Está muito tempo sem me ver e tenta me agradar (mera falsidade, por dentro estava em êxtase e sentenciando que sua beleza e jovialidade estava relacionada ao sucesso dos negócios da família, enquanto a pele enrugada, o rosto casado e o vestido simples de Chiquinha, mostravam não ter tido sorte na sua mudança pra Manaus).
Como uma insistia no elogio e a outra, ainda que falsamente, na modéstia. Marita, resolveu acabar com aquela disputa e mudar o rumo da prosa para tentar descobrir o que acontecerá com a sobrinha nesses últimos 23 anos.
- Mas diga Chiquinha e você como está?
- Eu vou bem, amiga. Tirando uma catarata que já me cegou uma vista e deixou a outra com apenas 20%, impedindo-me até de andar só pela rua, vou bem!
O azedume da alma e o fogo dos olhos voltaram imediatamente e sem cerimônia, Marita expulsou Chiquinha do seu comércio. Morreram as duas sem nunca mais terem se falado.